quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Doutrina militar brasileira - marcha para o insano - II


Algumas notas iniciais

Todos que me conhecem sabem de duas coisas sobre minha visão em economia:

Não acredito que sem a modificação dos indivíduos, se modifique o todo (e isto já poderia ser acrescentado às minhas "confissões").

Não gosto de intervenção e participação alguma além da execução da lei e de investimentos temporários, em épocas de crise, do estado no mercado.

Aqui, poderia escrever também: todos sabem do quanto odeio a participação do estado na economia.

Mas explico mais detalhadamente, afirmando que o estado pode investir em infraestrutura em toda e principalmente na maior escala, mas imediatamente deve vender tais ativos, recapitalizar-se e "reciclar" tal volume de investimento, ou formar reservas. Pensar o oposto conduz ao nosso passado, onde o governo brasileiro tinha até fábricas de zíperes.

Antes de continuar, lembrando um amigo meu, Jorge, um representante de calçados, já falecido, num papo de bar, e duas de suas muitas frases lapidares:

-O brasileiro para aprender que lugar de papel amassado é no lixo, vai levar 30 anos. (Ele falou esta frase em 1989, e ao que parece, pouco mudou.)

-O estado não tem de sair da economia, tem de sair do governo. (Discordo completamente, e vou muito mais longe e fundo, mas a ironia continua válida).


Um pouco de História

No histórico do Brasil, no equipar de suas forças armadas, já passamos por períodos de possuir excelentes fábricas de blindados, como a Engesa, fabricante dos bem sucedidos Cascavel, um carro de reconhecimento mecanizado, Urutu, um veículo blindado para transporte de tropas e o de certa maneira amaldiçoado pelo contexto carro de combate pesado ("tanque") Osório.

Ainda sobrevivente do período é a Avibras, fabricante do lançador de misseis terra-terra Astros II - aqui, na Wikipédia - que encontra similar no norteamericano M270.

O Urutu (ou modernizado, ou similar) seria extremamente útil nos nossos conflitos urbanos, especialmente quando o exército tiver de apoiar as polícias militares porque nossas guardas municipais (e não só elas) fizerem alguma bobagem, ou quando os traficantes de drogas/milícias desejarem estabelecer subestados/estados alternativos, como seguidamente vemos no Rio, nos quais veículos com peças de artilharia são inadequados e um tanto perigosos, e se impedidos de serem periogosos, completamente inúteis e de uma intimidação desagradável aos olhos do mundo e antes disso completamente desnecessária.

O Cascavel (ou modernizado, ou similar, novamente) seria extremamente útil, aí sim, em missões de reconhecimento, e na destruição de bases, laboratórios e pistas de pouso de traficantes, em especial na savana amazonense, em apoio às atividades da polícia federal ou das estaduais.

O Osório (idem) seria a última linha de defesa, pois ao que parece, não temos pretensões de atacar nossos simpáticos vizinhos Uruguai, Argentina e Paraguai (talvez a não ser no desejo de alguns após determinadas partidas de futebol), os únicos terrenos nos quais tal tipo de veículo seria útil.

Alerto que os parágrafos acima continham um tanto de sarcasmo, pois determinadas idéias de nossa doutrina de defesa nacional beiram a loucura, e antes destas aplicações bélicas, nosso exército necessita de caminhões para levar desde água até medicamentos em catástrofes.

Devemos lembrar que há antecedentes de tentativas de implementação da industrialização de blindados brasileiros, exatamente adequados às nossas necessidades, como o Tamoyo, com os critérios que aqui defendo de alto índice de nacionalização, ausência de importações e compatibilidade com os outros equipamentos já existentes.



Nota importante: Na verdade, no passado recente já foi incapaz de levar água em regiões sob seca, de onde deve-se perguntar como faria para em tempo de guerra, pois se não é capaz de levar água, não é capaz de levar coisa alguma para tropas em ação.

Sem verba, Exército deixa de levar água para vítimas da seca; Outubro de 2007

Sem verba, Exército deixa de levar água para vítimas da seca; Outubro de 2009

(Notem a repetição da manchete.)

PI: Exército aguarda verba para levar carros-pipa a 58 cidades; Setembro de 2009.

Qualquer idiota é um estrategista, o problema é logística. - Eisenhower

Sem falar apenas em logística e intendência, o exército e as demais forças armadas brasileiras precisam até padronizar seus fuzis.

O exemplo a ser seguido, maximizando os recursos e minimizando os custos, é o do exército soviético na 2a Guerra Mundial, com filosofia "uma arma pessoal, um tanque, um avião" de Stalin e seus subordinados, em contraste com o caos de fabricantes, peças, calibres e modelos dos alemães. Por exemplo muito adequado, a razão deste problema alemão estava, antes de tudo, numa necessidade inicial do partido nazista de agradar a inúmeros industriais alemães.

Entendam os responsáveis pela defesa de nosso país que equipamentos militares não são linhas de veículos de um fabricante de automóveis, e mesmo nestes, a minimização de plataformas e a padronização de componentes hoje é um foco em administração de alto nível.

Armas e PIB

Tratemos também de lembrar que o desenvolvimento de armas também levou Israel, por exemplo, a ter um PIB da ordem de 232 bilhões, enquanto a poderosa Arábia Saudita, com suas imensas reservas de petróleo, possui um PIB de 396 bilhões e nenhuma indústria significativa.

Ou seja, com imensos recursos minerais, o país mais rico da região possui PIB apenas 1,7 vezes maior que outro industrial e agrícola, mas com uma população mais de 3 vezes maior (24,7 contra 7,4 milhões), logo, renda mais baixa.

Um exemplo de veículo pesado desenvolvido especificamente para o território israelense e exclusivamente por sua indústria é o Merkava. Deve-se destacar também a enorme variedade de equipamentos militares e munições desenvolvidas pela IMI (Israel Military Industries Ltd.), então Israel é um exemplo a ser seguido, não só em iniciativa, quanto em método.

Consequências do desenvolvimento de armas

Devemos observar que o desenvolvimento de equipamento militar, levando ao desenvolvimento de materiais, leva ao desenvolvimento de, entre outros, equipamentos, materiais e tecnologias para atividades em ambientes extremos, entre eles, o de prospecção de petróleo.

Logo, os países industrializados, por tal motivo, são aptos a desenvolver as mesmas tecnologias que a muito custo e de maneira bastante independente desenvolvemos.

Mas também o desenvolvimento de equipamentos militares poderia se beneficiar do desenvolvimento da indústria de equipamentos de petróleo (e inclusive, em paralelo, da indústria naval) e produzir um sinergismo com esta.

Assim, neste jogo, não pode-se perder, mas claro que tal tem um custo.

Este custo, sob qualquer análise, é coberto a médio e longo prazo pela geração de empregos e pelo imenso volume de profissionais "chão de fábrica" especializados que formaríamos: soldadores, lixadores, torneiros, especialistas nas áreas de fundição, montadores, etc. Uma diferença contábil ainda em aberto seria e deve ser sempre coberta por uma cota de sacrifício do estado, pois esta é sua finalidade ultima em economia.

Devemos também, voltando à questão da proteção de nossas reservas marítimas, nos lembrar quais sejam nossas real e legalmente.

Explico.

Observações sobre algumas questões legais

As águas territoriais brasileiras são de 200 milhas. Uma plataforma holandesa, por exemplo, situada a 201 milhas do litoralk brasileiro, explorando o pré-sal não estará de forma alguma violando nosso território. O estado brasileiro é proprietário de todos os recursos minerais sob nosso território "da superfície até o cenro da Terra" (em contraste com outros países, onde seria o proprietário do terreno, como os EUA ou a Malásia) e pouco interessa nesta argumentação (tanto num caso quanto noutro) se o recurso mineral flui ou não (aqui, recomendo assistir o excelente filme Sangue Negro, There Will Be Blood de 2007). A posição de nossa hipotética plataforma holandesa seria legal, e qualquer ação brasileira sobre esta plataforma seria ilegal.

Afirmar que a plataforma holandesa "suga" nossas reservas seria o mesmo que afirmar que uma plataforma brasileira situada a 199 milhas "suga" reservas que sejam internacionais.

O que garante com segurança nossas reservas marítimas é a capacitação tecnológica única da Petrobrás para águas profundas, e cá entre nós basta isso. Para extrações em águas internacionais, provavelmente seria desenvolvidos recursos idênticos aos da Petrobrás, que não são coisa alguma transcendentes aos recursos de outros países, obviamente com destaque para os altamente industrializados.

E aqui devo destacar que exatamente a clareza e correção deste argumento está em que a Petrobrás depende de fornecimento de equipamentos, materiais e componentes externos aos parque industrial brasileiro, exatamente por nossa incapacidade de produzí-los.

Nestas prospecções e extrações em águas internacionais a Petrobrás seria chamada como parceira, mas antes, esperemos pela viabilidade, que até agora, tem-se mostrado um enorme problema, ainda mais com reservas significativas de mais baixo custo espalhadas pelo mundo, e sempre contndo com um horizonte possível de um abandono da extração massiva de combustíveis fósseis devido ao efeito estufa e a redução dos custos de outras alternativas.

Portanto, o nosso, e o também não nosso petróleo pré-sal está seguro sob quilômetros de rochas, e não serão forças armadas que irão tirá-lo de lá, nem utilmente protegê-lo.

Finalizando

Mas chega de falar em equipamento militar e foquemo-nos em economia, e o estado nesta, neste campo. Defendo com unhas e dentes que o governo brasileiro deveria ter dado integral apoio não aos empresários e investidores da Engesa, mas ao conjunto de recursos tecnológicos, materiais e humanos desta empresa (sem falar em diversas outras), em suma, sua capacidade, em todos os sentidos.

Toda atividade de desenvolvimento militar permeia a sociedade com inúmeros avanços: metais, materiais diversos, eletrônica, software de computadores. Seria, portanto, vital a longo prazo a preservação deste conhecimento e formação contínua de profissionais (ou nossos dirigentes acham que bancadas de universidades formam engenheiros plenamente em qualquer campo? Idem para formação técnica média).

Portanto, voltando à minha repulsa pelo estado na economia, corrijamo-nos: depende.

Agora, depois do leite derramado, temos de "comprar leite no exterior", e pouco gerará de sólido e futuro em nosso país tal iniciativa, e o custo disto será o mesmo ou maior, e os resultados em qualidade e eficiência, um tanto discutíveis (sem falar de zero de empregos em produção direta e sistemistas).

Logo, a marcha para o insano continua, e ainda não aprendeu-se que lugar de papel amassado é no lixo, e cá entre nós, discordando de determinadas nuances da economia libertária (com a qual inclusive em boa parte concordo), prefiro torneiros mecânicos e soldadores bem empregados que catadores de papel no aspecto gerar renda para suas famílias e para pagar impostos para o estado que quer (e tem de) se armar.

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